Quem estuda ECOLOGIA não quer guerra com ninguém... 

08/10/2021

Desigualdade no acesso à água, um dos desafios para a Agenda 2030

Por Juliana França

Você já imaginou o mundo daqui a 15 anos?

Pois esse é um pressuposto para o desenvolvimento da Agenda 2030, composta por 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) e 169 metas para a população mundial até o ano de 2030. A perspectiva é que essas metas sendo alcançadas garantiríamos um mundo mais justo, digno, inclusivo e sustentável. Estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas, é fruto de um processo que teve início a partir da Conferência Rio+20, em 2012 no Rio de Janeiro, e ao longo de sua elaboração contou com consultas públicas envolvendo a sociedade civil e outras partes interessadas em todo o planeta. Os ODS abrangem questões de desenvolvimento social e econômico, incluindo pobreza, fome, saúde, educação, aquecimento global, igualdade de gênero, água, saneamento, energia, urbanização, meio ambiente e justiça social. Entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2016 e têm como prazo de cumprimento o dia 31 de dezembro de 2030 (completos 15 anos).

Dentre os objetivos propostos, o ODS 6 - Água potável e saneamento planeja assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos até o ano de 2030. Mas diante de inúmeros desafios para cumprir suas metas, como as nações se propõe a superar a desigualdade no acesso à água, especialmente nos países sub desenvolvidos?

Os ODS vão muito além das metas estabelecidas nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), propostos em 2000, pois estipulam uma cobertura universal. Os ODS também são mais ambiciosos, quando descrevem água e saneamento "geridos com segurança", ao mesmo tempo que enfatizam a necessidade de considerar as desigualdades. Porém, os indicadores para monitorar as metas dos ODS têm um caráter conceitual, não especificando instrumentos utilizados para esse propósito. E qual poderia ser a melhor forma de monitorar a desigualdade de acesso à água pelo ODS?

No Brasil, a Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, criada através do Decreto nº 8.892, de 2016, é o principal mecanismo institucional para a implementação da Agenda 2030 no País. A Agência Nacional de Águas (ANA) determina eixos temáticos como contribuição ao ODS 6, com um cálculo de indicadores compreendendo séries históricas e fragmentações de diferentes delineamentos espaciais. Visando facilitar a análise do monitoramento da 8 metas propostas no ODS 6, elas foram agrupadas em três grandes eixos temáticos: 1) Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário; 2) Qualidade e Quantidade de Água; e 3) Gestão: Saneamento e Recursos Hídricos.

Para o eixo temático 1, as metas de "acesso à água e saneamento" são monitoradas pelos indicadores: "proporção da população x serviços seguros de água potável e esgotamento sanitário". E o que temos em termos numéricos no relatório divulgado com dados até o ano de 2017? Apenas 87,3% dos brasileiros têm acesso à água potável, sendo 35 Milhóes de pessoas sem acesso. Para o saneamento básico a situação é ainda pior, 54,1% brasileiros têm acesso à esgoto tratado, sendo 100 Milhões de pessoas sem esse acesso.

Para o eixo temático 2, as metas de "mellhorar a qualidade de águas e aumentar eficiência do uso" são monitoradas pelos indicadores: "proporção de águas residuais tratadas e proporção de ecossistemas de boa qualidade". E o que temos em termos numéricos refere a 50% do esgoto tratado e, 69,3% dos corpos hídricos brasileiros classificados com "boa qualidade".

Segundo o relatório da ANA os resultados dos indicadores do ODS 6 para o Brasil apresentaram evolução positiva no período histórico (2010-2017), com queda do primeiro para o último ano apenas no monitoramento das alterações dos ecossistemas aquáticos, mas de pequena magnitude.

Será que alcançaremos todas as metas propostas até 2030?

Inspirações do dia: Tiago Cetrulo, Rui Marques, Tadeu Malheiros, Natália Cetrulo. 2020.Monitoring inequality in water access: Challenges for the 2030 Agenda for Sustainable Development. Science of the Total Environment. 727: 138746. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.138746 

https://brasil.un.org/pt-br/sdgs

· Agência Nacional do Águas (Brasil). ODS 6 no Brasil: visão da ANA sobre os indicadores / Agência Nacional de Águas. - Brasília: ANA, 2019




Mulheres pioneiras em pesquisa sobre "Qualidade da Água"

Por Juliana França 

Em 2015, a data 11 de fevereiro foi declarada como Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência em uma parceira da ONU Mulheres com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O objetivo desta iniciativa era incentivar e promover a participação de mulheres na ciência, reconhecendo a falta de igualdade de gênero na pesquisa científica (mulheres representavam menos de 30% dos pesquisadores pelo mundo).

As mulheres na ciência foram sempre negligenciadas. Notoriamente, trabalhos científicos de relevância são mais reconhecidos quando originados de pesquisas lideradas por cientistas homens. Por conta disso, cria-se uma perspectiva fictícia de que as mulheres não têm relevância na área científica. Porém, muitas pesquisadoras mulheres participaram ativamente da ciência, tendo sido responsáveis por grandes descobertas, o que vem sendo demonstrado ao longo da história.

As contribuições das mulheres na pesquisa científica são revolucionárias e, mesmo após o reconhecimento de sua importância pela UNESCO, elas ainda têm sido induzidas a não ocupar esses espaços. E, em comemoração ao Mês da Mulher (março) nós apresentaremos em nossa seção "Quem estuda Ecologia não quer guerra com ninguém" quatro mulheres pioneiras e proeminentes em pesquisas envolvendo qualidade de águas. Pesquisa, tecnologia, ciência e inovação são lugares que podem e devem ser ocupados por mulheres. E você? Já pensou em revolucionar a ciência? Com vocês, quatro dessas pesquisadoras revolucionárias para te incentivar a pensar melhor nisso!

1. Ellen Henrietta Swallow Richards (1842-1911), nascida em Boston, nos Estados Unidos, foi uma química industrial e ambiental, professora no século XIX. Em 1880 Ellen se interessou pela área sanitária, em especial por qualidade do ar e da água. Realizou diversos testes em ecossistemas aquáticos e coletou mais de 40 mil amostras de água potável. Isso gerou o chamado Mapa do Cloro de Richards, com indicações de poluição da água no estado de Massachusetts. Como resultado, foram estabelecidos os primeiros padrões de teste de água no país e criou-se a primeira estação de tratamento de esgoto do mundo.

2. Ruth Patrick (1907-2013), nascida no Kansas, Estados Unidos, foi uma botânica e limnóloga, especializada em algas diatomáceas e ecologia de riachos. Deixou em seu legado o reconhecimento de que detalhes da composição e papéis funcionais das espécies (por ex. bactérias, fungos, protozoários, algas, macroinvertebrados e peixes) que habitam ecossistemas de água doce podem coletivamente fornecer uma medida da saúde relativa dos riachos e rios. Ela se entregou incansavelmente para informar o público sobre a importância dos ecossistemas de água doce e a necessidade de estudar, compreender, proteger e conservar esses ecossistemas.

3. Rachel Carson (1907-1964), nascida na Pensilvânia, Estados Unidos, foi uma bióloga marinha, escritora, cientista e ecóloga. É famosa por seu livro Primavera Silenciosa, publicado em 1962, que expôs os perigos do uso excessivo de pesticidas. Livro este que é frequentemente creditado como sendo o catalisador do movimento ambiental atual. Ela escreveu outros três livros relacionados aos oceanos, dos quais dois tornaram-se bestsellers.

4. Sylvia Earle (1935), nascida em Nova Jersey, Estados Unidos, é uma bióloga marinha e exploradora da National Geographic Society, reconhecida mundialmente por suas centenas de expedições marítimas. Liderou o Google Ocean Advisory Council, grupo de cientistas marinhos que forneceu conteúdo e visão científica para o Google Earth. Fundadora da Mission Blue Foundation, que cria e administra áreas de proteção marinha (fundada com verba do prêmio TED Prize em 2009). Autora de mais de uma centena de publicações científicas, direciona seus estudos ao desenvolvimento de novas tecnologias para o acesso e a proteção de ambientes marítimos remotos.

Mulheres cientistas vem abrindo portas ao longo dos tempos para que possamos mostrar a que viemos. Se você é mulher, e sonha em seguir a pesquisa científica mire nos belos exemplos e faça como essas precursoras, deixe sua contribuição marcada na ciência.




Será que o isolamento social afetou a qualidade de águas continentais?

Por Juliana França 

No ano de 2020 o mundo parou.

Em função da pandemia de COVID-19 (novo coronavírus), que se espalhou pelo planeta em questão de meses, a população mundial se viu isolada para conter a evolução da doença e evitar a sobrecarga nos serviços médicos. Grandes centros turísticos, avenidas, centros de compras, áreas de lazer, comércios e indústrias fechados. Além deles, outros locais tipicamente comuns em aglomeração humana, mudaram suas características por semanas e até meses. Diante de uma situação de tensão extrema, em um momento que a tecnologia avança e as notícias se espalham exponencialmente em questão de milésimos de segundos, várias teorias, suposições e até "fake news" começaram a se espalhar pelas redes sociais.

Afinal, se os nossos adensamentos populacionais estão associados a uma grande responsabilidade sobre a degradação ambiental, a redução das atividades humanas e econômicas provocariam modificações positivas nas paisagens ao redor no mundo? Muito foi falado e reportado sobre "cisnes e golfinhos nos canais de Veneza", "elefantes em Yunnan, na China" entre outras histórias que se misturavam entre realidade e exagero. Esses exemplos de fake news, podem distorcer teorias e trazer uma compreensão errada de determinado conteúdo. A ideia de que a redução das atividades humanas pode gerar benefícios às paisagens é correta, pois não é errado pensar que poderia haver uma melhora ambiental com a desaceleração da economia, concordam?

E depois de uma nem tão breve introdução, nossa sessão "Quem estuda ECOLOGIA não quer guerra com ninguém..." traz hoje, justamente, uma leitura sobre isso, baseada em estudos científicos. Sejam bem vindos, e que esta leitura estimule a sua curiosidade sem se deixar levar por notícias alarmantes e "fake news".

Para isso nós trouxemos um estudo realizado no maior lago de água doce da Índia, o lago Vembanad. Com aplicação de sensoriamento remoto, os autores demonstraram quantitativamente a melhoria na qualidade das águas do lago em termos de material particulado em suspensão (MPS). Com base em dados de turbidez, estabelecidos a partir de imagens de satélite, o estudo demonstrou que a concentração de MPS durante o período de bloqueio diminuiu 15,9% em média (intervalo: -10,3% a 36,4%, redução de até 8 mg /L) em comparação com o período de pré-bloqueio (considerado período de um mês de bloqueio aproximadamente - março/abril). Análise de séries temporais de coleções de imagens de satélite (abril de 2013 - abril de 2020) mostraram que o MPS quantificado para abril de 2020 é o mais baixo para 11 em 20 zonas do lago Vembanad. Quando em comparação com os anos anteriores, a redução percentual no MPS para abril de 2020 é de até 34% em relação ao mínimo anterior. Os resultados sugeriram que a poluição das indústrias e o turismo têm um impacto severo na qualidade da água do lago, mas aconselha-se uma análise mais aprofundada, com dados de séries temporais mais longas, incluindo o período pós-bloqueio (presumivelmente a partir de maio de 2020). Estudos que incluam dados pós isolamento seriam especialmente necessários para confirmar o efeito da carga de poluição industrial e do turismo na qualidade da água do lago. Os autores recomendam uma abrangência maior de situações ambientais para compreender o impacto geral do COVID-19 na hidrosfera.

Como os próprios autores salientaram neste estudo, uma abrangência maior de análises temporais e espaciais são necessárias para se confirmar os efeitos positivos da diminuição da circulação de pessoas, automóveis, processos industriais entre outros. Porém, apenas com um mês de diminuição da movimentação humana, vários efeitos positivos foram relatados, talvez não em relação ao aparecimento de golfinhos mas sim, em relação a transparência das águas em Veneza, por exemplo (isso pode ser explicado, inclusive, pela diminuição de revolvimento do fundo que pode ocorrer com a diminuição da frequência de gôndolas, os famosos barquinhos venezianos).

Este exemplo nos chama a atenção para a importância de nossos estudos ecológicos em águas continentais. A existência de dados anteriores a alguma modificação são fundamentais para se confirmar os efeitos causados nestes ecossistemas. Além disso, traz um alerta sobre a importância de se ater à confiabilidade dos dados antes de se concluir sobre alguma questão. Nossa recomendação é: confie e procure dados científicos antes de espalhar notícias que podem ser falsas, as chamadas "fake news".

Inspiração do dia: Ali P. Yunus, Yoshifumi Masago, Yasuaki Hijiok. 2020. COVID-19 and surface water quality: Improved lake water quality during the lockdown. Revista Science of the Total Environment. 731: 139012. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.139012




Em períodos de seca e incêndios recorrentes toda chuva é bem vinda! 

Como essa sequência influencia a qualidade de águas em bacias hidrográficas?

Por Juliana França 

E, após um pequeno intervalo, eu voltei! Sejam bem vindos de volta também! Para finalizar esse breve "período de jejum" trouxe um tema bastante instigador em nossa seção "Quem estuda ECOLOGIA não quer guerra com ninguém". Espero que esta leitura estimule ainda mais sua curiosidade sobre como as modificações das populações humanas no meio ambiente podem desencadear um processo de destruição em sequência, especialmente em sistemas e estações do ano vulneráveis, como é o caso das áreas florestadas em período de seca.

A ocorrência de incêndios em ecossistemas florestais pode ser um evento natural porém as mudanças climáticas e modificações nas condições ambientais naturais têm os tornado maiores, mais graves e potencialmente prejudiciais. As populações humanas se instalam no entorno dos rios para utilizá-los como fontes de água potável em áreas urbanas e rurais. Em contraponto, as ações humanas na bacia de drenagem (desmatamento, por exemplo) aumentam a ocorrência de incêndios em áreas florestadas, modificando o solo e afetando drasticamente a fauna e a flora.

Os incêndios florestais descontrolados, combinados com a complexidade da paisagem e dos ciclos hidrológicos, criam incertezas em torno dos efeitos pós-incêndio no abastecimento de água. Esses incêndios costumam causar mudanças radicais na estrutura da vegetação e nas condições do solo alterando os processos em bacias hidrográficas, como controle de fluxo, erosão de margens, exportação de nutrientes e qualidade física e química da água a jusante.  Além disso, após os incêndios de alta intensidade podem ocorrer tempestades que removem os resíduos de cinzas produzidos e, modificam o solo das paisagens queimadas. Esta ação eleva drasticamente os níveis de turbidez (águas mais escuras), nutrientes (aumento nas concentrações de fósforo e nitrogênio, por exemplo) e carbono orgânico dissolvido em águas superficiais, gerando desafios de curto prazo no fornecimento de água de qualidade adequada. Há evidências crescentes de que os impactos na qualidade de águas podem persistir após incêndios de alta gravidade devido à lenta recuperação da vegetação. Dessa forma, as concentrações de nitrogênio e carbono orgânico podem permanecer elevados por até 15 anos.

As altas temperaturas, durante os incêndios, também podem influenciar a qualidade do solo e, consequentemente, das águas. Em uma investigação de pesquisadores norte-americanos foi demonstrado que a solubilidade da matéria orgânica e das concentrações de carbono e nitrogênio aumentaram no solo após seu aquecimento. Além disso, a matéria orgânica extraída de solos extremamente aquecidos apresenta estruturas aromáticas condensadas, como carbono e nitrogênio negros, que são unidas por interações moleculares fortes e por isso são difíceis de serem dissolvidas. Assim, se pensarmos nas etapas do tratamento de água para abastecimento, essas estruturas podem forçar o fechamento das estações ou podem desafiar significativamente o desempenho do processo de purificação. Turbidez extrema e altas concentrações de carbono orgânico em águas pós-incêndio seguidos de tempestades, associam mudanças na composição orgânica e reduzem a eficiência de abastecimento de água. Estudos revelaram a formação de pequenos compostos solúveis aromáticos durante o incêndio florestal que contribuem para ineficiência na remoção de carbono orgânico em águas pluviais. Devido ao aumento das concentrações de carbono orgânico pós-incêndio e à baixa capacidade de tratamento do escoamento pós-tempestade, a formação de produtos tóxicos aumenta durante o tratamento de água, representando preocupação na gestão de águas pós-incêndios florestais. Além disso, o aumento de alguns produtos tóxicos, prejudiciais às populações humanas, representa um problema de saúde pública. As evidências deste estudo demonstram que, mesmo parcialmente, os eventos de queimadas em bacias hidrográficas podem ter efeitos significativos e duradouros nas exportações de carbono e nitrogênio, na qualidade da fonte de água urbana e rural, na capacidade de tratamento da água potável e no aumento da toxicidade. Impactos na qualidade da água pós-incêndio de curto e longo prazos trazem desafios para o fornecimento de água potável, em termos de tratamento e usos humanos. Comunidades, gestores e fornecedores de água precisarão se adaptar à recorrência de incêndios florestais e antecipar as previsões de variabilidade na qualidade da água para minimizar os impactos no fornecimento.

As queimadas têm sido cada vez mais recorrentes no Brasil. Estes eventos têm destruído grandes áreas florestadas em biomas como Amazônia, Pantanal e Cerrado onde estão localizadas bacias hidrográficas de importância nacional. Nossa flora, nossa fauna, e bacias hidrográficas estão perdendo a capacidade de se regenerar. E nós podemos/devemos, mais uma vez, demonstrar a importância de somarmos esforços e sermos mais atuantes e participativos na gestão de nossas florestas. E podemos começar esse fim de semana votando em candidatos e candidatas que tragam soluções para os problemas ambientais. A busca por uma melhor governança começa na urna. Lute por seus direitos escolhendo pessoas que estão dispostas a atuar na gestão adequada de nosso meio ambiente. Procurem conhecer os planos de governo dos candidatos, incentivem o voto consciente e, por fim, participem durante todo o processo, observando as decisões tomadas pelo seu candidato ao longo do mandato. O desejo do monitoramento participativo é que tenhamos mais ações em prol da qualidade ecológica de nossos ecossistemas terrestres e aquáticos! #diganaoasqueimadas #queimandaecrime 

Inspiração do dia: Amanda K. Hohner, Charles C. Rhoades, Paul Wilkerson and Fernando L. Rosario-Ortiz. 2019. Wildfires Alter Forest Watersheds and Threaten Drinking Water Quality. Accounts of Chemical Research. 52: 1234−1244.. https://doi.org/10.1021/acs.accounts.8b00670 




Em tempos de pandemia, nossa relação com a água vai além da higiene das mãos?

Hoje vamos abordar um assunto bastante relevante e atual em nossa sessão "Quem estuda ECOLOGIA não quer guerra com ninguém"...

Afinal, em tempos de pandemia de COVID-19, a nossa preocupação com a água deve ter como meta exclusivamente a correta higiene de nossas mãos?

Estudos têm abordado a presença de SARS-CoV-2 (vírus causador da COVID-19) em fezes e águas residuais recentemente e, associado a isso, uma possível transmissão fecal-oral da doença, ou seja, águas contaminadas por esgotos não tratados. Isso entra em discussão trazendo outras possíveis formas de contaminação para as populações humanas e sua relação com tratamento adequado de seus recursos hídricos.

Relatos de estudos científicos demonstram que os pacientes com COVID-19 podem liberar o vírus nas fezes por dias após os sintomas desaparecerem. No entanto, a persistência de SARS-Cov-2 em água e esgoto ainda não foi determinada, mas estudos com outros tipos de coronavírus demonstraram persistência nestes locais.

Pesquisadores brasileiros discutem que, ainda assim, é necessária uma análise abrangente e mais sutil para a hipótese de transmissão fecal-oral da COVID-19, levando em consideração tanto a dinâmica de questões ambientais quanto a persistência da infecção viral. Estes pesquisadores trazem, em sua discussão, uma classificação ambiental de doenças infecciosas, que se baseia em uma transmissão através de rotas e ciclo de vida de agentes infecciosos.

Gilbert F. White e colaboradores, em 1972 e, Richard G. Feachem e colaboradores, em 1983 avaliaram rotas de transmissão de doenças infecciosas pela água e doenças relacionadas aos excrementos, respectivamente, e as classificaram em categorias. Mas, o papel da água na transmissão de doenças infecciosas, semelhantes à COVID-19, foi sugerido décadas após sua classificação inicial, relacionando doenças de veiculação hídrica e seus cuidados em termos de acometimento às vias respiratórias.

Nesses estudos sobre transmissão de doenças respiratórias o foco inicial tem relação principalmente ao efeito protetor de lavagem das mãos, porém recentemente (2015) um novo estudo propôs uma nova categoria de contaminação relacionada à água, a transmissão por inalação de gotículas ou aerossóis gerados em sistemas de encanamento. Esta categoria pode ser de interesse para uma possível via de inalação de SARS-CoV-2, uma vez que pesquisas têm aumentado a possibilidade de propagação do vírus através da ineficiência dos sistemas de tratamento de esgoto. Para estes estudos temos como exemplo a disseminação relatada de coronavírus SARS em aerossóis de esgoto em um edifício residencial de 50 andares em Hong Kong pela Organização Mundial da Saúde e, posteriormente, em um teste com experimentos controlados em grande escala. No entanto, esses desenvolvimentos recentes na associação de água a doenças respiratórias não têm capturado as rotas complexas possivelmente envolvidas na transmissão de SARS-CoV-2 dos esgotos ás populações humanas. Desta forma, o estudo dos pesquisadores brasileiros traz uma estrutura para a hipótese fecal-oral desenhando as possíveis rotas ambientais da transmissão de águas contaminadas. Essa estrutura não deve ser vista como uma confirmação dessa hipótese, mas como uma visão ampliada de suas complexidades, o que poderia ajudar a determinar uma série de perguntas não respondidas.

Nesta proposta existem três rotas principais para o vírus: a própria água, as superfícies e os insetos vetores. A partir desses ambientes, através de diferentes vias, os vírus podem chegar à boca e infectar os tratos intestinal e respiratório de hospedeiros. Desta forma temos, pelo menos, cinco estruturas de possíveis rotas de transmissão fecal-oral SARS-CoV-2:

1. Água como agente passivo, ingestão direta de um patógeno presente na água.

2. Infecção indireta da contaminação de superfícies, o que seria evitado se houvesse o fornecimento suficiente de água tratada para uso doméstico e para higiene pessoal.

3. Transmissão fecal-oral (não bacteriana) caracterizada por agentes infecciosos que podem se espalhar facilmente com higiene inadequada.

4. Transmissão por insetos vetores, por exemplo, moscas e baratas que podem circular em ambientes contaminados e transportam o vírus no corpo e no trato intestinal, contaminando superfícies.

5. E por último, emergindo a categoria "limpeza de água", na qual a água não tratada usada para limpar superfícies pode, através do contato manual, levar o vírus à boca.

A validação dessa estrutura exigirá esforços significativos de pesquisa para melhor entender a persistência e potencial de infecção de SARS-CoV-2 em fezes, esgoto e água não tratada; o papel dos vetores no transporte o vírus e a investigação apropriada da rota para a qualidade adequada da água. Devido à atual falta de evidências sobre a relevância dos dados de águas contaminadas por esgotos e a transmissão do SARS-Cov-2, o artigo levanta a necessidade de mais pesquisas que aprofundem o papel real das intervenções em água e saneamento na prevenção desta via de transmissão. Se confirmada a hipótese da transmissão fecal-oral, intervenções relacionadas à provisão de segurança hídrica e saneamento adequado devem ser imediatamente adicionadas às estratégias para o controle pandêmico do COVID 19, além do papel fundamental reconhecido da água para lavagem das mãos.

No entanto, considerando que 2,2 bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a água tratada e 4,2 bilhões a saneamento básico, uma possível contenção do COVID-19 através do acesso a esses serviços pode se justificar no estabelecimento de medidas imediatas para mitigar a exposição das populações humanas em situação de vulnerabilidade ​​a doenças fecais-orais. Além disso, estas medidas responderão ao apelo da Agenda 2030 e reforçarão a necessidade urgente de promoção dos direitos humanos que asseguram água de qualidade e saneamento.

Inspiração do dia: Léo Heller, César Mota e Dirceu Greco. 2020. COVID-19 faecal-oral transmission: Are we asking the right questions? Science of the Total Environment. 729. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2020.138919





Afinal, quanta água temos no planeta?

Por Juliana França 

Hoje trataremos de um assunto bastante discutido, mas ainda pouco incorporado em nossas ações do dia a dia, dando continuidade a nossa sessão "Quem estuda ECOLOGIA não quer guerra com ninguém..."

Afinal, temos bastante água no planeta? Sim, visualmente e superficialmente, o globo terrestre é composto por 2/3 de água (cerca de 70%). Vocês já leram isso em algum livro ou site da internet, concordam? E vocês também já andaram escutando uma frase bastante polêmica: A nossa água está acabando! E será que está? Que tal abordarmos isso falando um pouco sobre a disponibilidade de água no planeta?

As porcentagens de disponibilidade de água no planeta são muitas vezes controversas. É notório que aferir exatamente estas porcentagens é bastante utópico, mas a ciência traz sim algumas estimativas aproximadas sobre esses valores. Ainda que um pouco restritas, as publicações científicas que abordam este assunto muitas vezes apresentam valores discrepantes. Em função disto, um estudo publicado no ano de 2006 tentou definir com mais acurácia estas porcentagens, com base em bancos de dados de instituições governamentais, órgãos de controle ambiental, universidades e centros de pesquisa, companhias energéticas e de abastecimento de água.

E o que este estudo apresentou? A Terra contém, aproximadamente, 1.386 milhões de quilômetros cúbicos de água (Mkm3). Concordam que quando vimos esse número temos até dificuldade de estabelecer mentalmente o quanto isso significaria? Mas, realmente nos parece muito. E este volume total de água da Terra não sofre grandes alterações, ao longo de um século pelo menos. A grande questão em relação à disponibilidade de água do planeta e às discussões sobre a água estar "acabando ou não" tem mais relação com a sua distribuição nos compartimentos da hidrosfera (oceano, geleiras, águas subterrâneas, vapor atmosférico, lagos, rios). A crescente ocorrência de interferências antrópicas no ciclo hidrológico natural, representadas principalmente por construção de represas, transposições de bacias hidrográficas, retirada excessiva de água de rios, desmatamentos, impermeabilizações, com consequências como erosão e assoreamento de cursos d'água tem sido os principais fatores de alterações dos volumes nestes compartimentos.

Após suas considerações e avaliações, o estudo que abordamos propõe que 97,08% do total de água do planeta (dos 1.386 Mkm3!) são de água salgada (mares e oceanos) e APENAS 2,92% são de água doce. Dessa pequena fração de água doce a maior parte está contida nas geleiras (1,92%); seguida por águas subterrâneas (0,99%); lagos (0,02%); umidade do solo (0,004%); atmosfera (0,001%); rios (0,0001%) e acumulada nos seres vivos (0,00007%).

E, é por isso que eu iniciei esse texto com a seguinte frase: "assunto bastante discutido, mas ainda pouco incorporado em nossas ações do dia a dia". Quando pensamos em nosso uso, estes valores não nos parecem em quantidades aparentemente insuficientes? Afinal, nossa maior fonte de água doce (fácil acesso e economicamente viável) não seria as águas de nossos rios? Então volte no último parágrafo e pense, a água está acabando ou nós que temos utilizado de forma inadequada os seus 0,0001%? Vale a reflexão!

Acredita-se que, por meio da construção de conhecimentos sobre boas práticas diárias de uso consciente da água, é possível diminuir os impactos causados pela má utilização da "pouca" e "acessível" água que temos para nossa manutenção e para as futuras gerações. Atitudes diárias como evitar desperdícios e cobrar do poder público por uma boa gestão (quem não leu o texto anterior desta seção do blog vá lá porque ele traz um pouco desta discussão) são importantes aliadas nesta reflexão. Os números estão aí, nós sabemos, nós temos acesso, mas as nossas atitudes precisam acompanhar nosso acesso ao conhecimento. Precisamos estar mais atentos sobre até que ponto estamos apoiando, ou não, através de nossas ações e mudanças de atitudes em nosso dia a dia, a nossa relação com a disponibilidade de água no planeta. De nosso país, trago uma frase da época de sua descoberta: "Águas são muitas; infindas...". E, para finalizar proponho a seguinte reflexão: para vocês Pero Vaz de Caminha, em 1500 quando escreveu este trecho da carta, tinha razão?

Inspiração do dia: Eduardo von Sperling. 2006. Afinal, Quanta Água Temos no Planeta? RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos. 11 (4): 189-199.

Centenário do descobrimento da America; memórias da Commissão portugueza. 2016. Wentworth Press. 480p.





Monitoramento Voluntário de Rios: nossos dados e nossa experiência podem apoiar um maior envolvimento na tomada de decisões sobre águas doces?

Por Juliana França 

Hoje iniciaremos a nossa sessão "Quem estuda ECOLOGIA não quer guerra com ninguém..." e, para esse início, consideramos válido falar um pouco sobre a relação "Ciência Cidadã" e "Gestão de Águas". Até que ponto um esforço conjunto de nossas ações poderá ser um apoio nas tomadas de decisões do poder público? Seremos ouvidos? Nossas propostas serão analisadas? Nosso esforço será considerado? Para trazer essas questões à tona, iremos contar um pouco sobre o que disseram pesquisadores da Nova Zelândia.

As políticas de água doce na Nova Zelândia promovem um maior envolvimento da comunidade na decisão e gerenciamento dos recursos hídricos. Isso considera que as decisões tomadas sobre as águas de seu território devem envolver membros da sociedade local desde o apoio na coleta de dados. Essa participação pode aumentar tanto o conhecimento sobre os recursos hídricos, quanto a capacidade de debater esse conhecimento com pesquisadores profissionais e com o governo. Consequentemente, esta participação pública aumenta a influência da população nos processos de tomada de decisão sobre as águas. No entanto, essas interações (comunidade + governo) não têm ocorrido com a frequência desejada e, a principal explicação é: não se sabe o quanto os dados levantados por cidadãos-cientistas se aproximam, em termos de confiabilidade, dos dados obtidos por pesquisadores profissionais.

Para tentar apontar essa confiança dos dados voluntários, um grupo de pesquisadores comparou as informações obtidas tanto por voluntários (grupo comunitário da Nova Zelândia) quanto de seu governo (conselho regional da Nova Zelândia) sobre os seus recursos hídricos. Para isso, ambos os grupos (voluntários e governo) monitoraram nove locais por mais de 18 meses, paralelamente, através de um conjunto comum de variáveis ​​de qualidade da água, habitats físicos e macroinvertebrados aquáticos, ferramentas rotineiras para o governo local em monitoramentos ambientais.

Os resultados desta pesquisa demonstraram que, com o apoio e acompanhamento adequado e frequente por pesquisadores profissionais, os voluntários podem coletar dados de monitoramento de boa qualidade para uma série de parâmetros da água e variáveis ​​biológicas. Os pesquisadores concluíram que os dados de voluntários podem ser usados ​​para aumentar a avaliação do governo e apoiar no planejamento dos recursos hídricos de seu país. Eles também demonstraram que os dados coletados pelos voluntários podem ser potencialmente eficazes no preenchimento de lacunas (monitoramento geograficamente e financeiramente adequado e efetivo das águas do seu país). O incremento de informações sobre seus recursos hídricos, por dados obtidos pela população, apoiaria decisões eficazes sobre as águas doces da Nova Zelândia, o que foi demonstrado também através de estudos de outros países, como EUA, Canadá e Austrália. Na Nova Zelândia as mudanças nas políticas ambientais são recentes e passam a exigir maior cobertura de dados, o que seria fundamentado com a consideração dos dados obtidos por cidadãos comuns. Além disso, tem sido comprovado que o monitoramento baseado na comunidade aumenta a conscientização dos voluntários sobre suas águas doces locais, sua compreensão sobre os ecossistemas aquáticos e sua conscientização em escala nacional. E esse envolvimento consequentemente melhora suas relações com conselhos governamentais. Enquanto os voluntários discutem seus conhecimentos adquiridos com o monitoramento realizado em suas comunidades locais, alguns desses benefícios estendem-se além de seu grupo específico. Esses benefícios podem ajudar conselhos governamentais a cumprir as propostas para as águas doces na Nova Zelândia, de que o aumento do envolvimento da comunidade em tomadas de decisões será fundamentado, em breve, por suas políticas publicas e gerenciamento de ecossistemas aquáticos continentais.

Este exemplo nos chama a atenção para a nossa proposta de realizar monitoramentos ecológicos de qualidade de águas aqui no Brasil. A Nova Zelândia é um país formado por ilhas, pertencente à Oceania, possui uma área de 268.680km² (73º colocado mundialmente), uma densidade populacional de 17,9 hab./km² (202º colocado mundialmente) e seu território é constituído por 2,1% de água doce. Nova Zelândia é um país totalmente diferente do Brasil, em várias questões, o continente, geografia, densidade populacional, sistema de governo, e governança das águas.

Mas nós também podemos e devemos demonstrar a importância de somarmos esforços e sermos mais atuantes e participativos na gestão de nossas águas. Para tal, devemos responder às seguintes questões: O que queremos? O gerenciamento de nossos ecossistemas aquáticos está adequado para nossa realidade ambiental? Podemos fazer mais por nossas águas? Seremos ouvidos? É hora de pensarmos e começarmos a demonstrar, assim como a Nova Zelândia, que seremos capazes de sermos mais participativos. Na escala local (nosso bairro, cidade), regional (nosso estado) ou nacional (nosso país), podemos nos apoiar, baseados em nossas leis ambientais e, participar dos debates e discussões públicas sobre a água. Que tal começarmos a fazer isso juntos? Participe conosco desse movimento em prol de nossas águas! Juntos, somos sempre mais fortes!

Inspiração do dia: Richard G. Storey, Aslan Wright-Stow, Elsemieke Kin, Robert J. Davies-Colley and Rebecca Stott. 2016. Volunteer stream monitoring: Do the data quality and monitoring experience support increased community involvement in freshwater decision making? Revista Ecology and Society. 21(4):32.https://doi.org/10.5751/ES-08934-210432




Nesta seção iremos abordar bases teóricas atuais em Ecologia, com especial atenção aos recursos hídricos. A linguagem utilizada tem como proposta apoiar o diálogo entre a ciência e o cidadão, abordando de forma resumida uma conversa entre pessoas, periódicos científicos e revistas de circulação.

Nesta seção traremos conceitos importantes em Ecologia Aquática, textos, curiosidades, as novidades da ciência publicada em periódicos científicos, entre outros. Com postagens mensais, sempre na 1ª quinzena do mês, vamos trazer algumas informações importantes sobre o que está por traz dos bastidores na pesquisa em Ecologia Aquática: O que já se sabe? Como isso poderia nos apoiar? Temos argumentos da ciência para o que queremos para nossa sociedade?

Será uma seção dedicada ao conhecimento, mas um conhecimento mútuo, de mão dupla, nossas experiências... suas experiências. E que juntos possamos construir uma experiência científica e cidadã mais fortalecida.

Não se esqueçam:

A maçaneta da dúvida vai nos apoiar na abertura da porta para o conhecimento.

© 2020 Juliana França, doutora em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre
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